DECLARAÇÕES DE AMOR

QUATRO, QUARENTA. QUARENTENA.

Alguns sonhadores diriam que num mundo perfeito só haveria amor. Eu não concordo. Se não houvesse ódio, o amor seria pouco valorizado e, nesse caso, lá se esfumaria a desejada perfeição do mundo.
Nem os sonhadores, nem os outros que o não são, querem que o amor deixe de ser equiparado ao ouro na bolsa dos sentimentos.
No entanto, aqui, sendo este meu blogue um espaço do outro mundo, ele manter-se-á perfeito mesmo que sejam admitidos somente sentimentos positivos e fotografias nítidas.

 

26 de Março de 1974

Nasceu a minha sexta sobrinha. Veio anunciar a liberdade com um mês de antecedência, para que desse tempo de nos prepararmos.
Sendo a mais nova, apanhou-me já no início da idade adulta. Enquanto não temos filhos, os sobrinhos, se acompanhados de perto como foi o caso, são o prenúncio do fenómeno de sermos pais.
Devido à constante convivência, cronológica e sentimentalmente, a Filipa foi o meu filho número zero.
Amo-a.
Parabéns pelo seu aniversário.
Como imaginam, tenho muitas fotografias dela, mas escolhi digitalizar este slide porque mostra bem, não só a sua simpática e permanente disponibilidade para que o tio a fotografasse, mas também o jeito inato para posar.

 

De autocarro para Faro - Fevereiro, 1977 - Nikon F Photomic FTN - Nikkor S 50mm f/1.4 - Kodachrome 25

 

26 de Março de 1988

Há uma frase popular, usada como lamento, que diz “esta vida não chega a netos”.
Definitivamente não foi o que aconteceu naquele dia maravilhoso passado na vila da Ericeira.
Além de ter sido preponderante nas vidas da Ana Reis e da minha, também se repercutiu na vida dos nossos pais, nomeou novos sogros, gerou filhos e, literalmente, já chegou mesmo a netos.

A princípio é simples, anda-se sozinho
Passa-se na rua bem devagarinho
Está-se bem no silêncio e no burburinho
Bebe-se as certezas num copo de vinho
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Obrigado Sérgio Godinho pela ajuda. Aquele foi realmente o primeiro dia do resto das nossas vidas.
Não vou contar mais nada. O que se passa na Ericeira fica na Ericeira.
Nesse dia não levei máquina fotográfica porque, digamos, não me deve ter dado jeito. Entretanto, poucas semanas depois, durante outro passeio, fiz este retrato.
Amo-a.
Quando olho para esta fotografia ainda a amo mais.

 

Sintra - Junho, 1988 - Nikon FM2 - Nikkor 105mm f/2.5 - Fujichrome 100

 

26 de Março de 1976

Como se pode amar ainda mais porque se está a contemplar uma fotografia? Não possuo eloquência bastante para o explicar e lamento alguém que porventura nunca tenha ficado arrebatado com essa sensação.
Mas afinal o que aconteceu neste mesmo dia em mil novecentos e setenta e seis?
Ah! Já me esquecia. Comprei a minha primeira Nikon.
Foi um sonho de adolescente concretizado. Eu não queria uma máquina fotográfica, queria uma Nikon.

 

São Domingos de Rana - Março, 2020 - Nikon D850 - Micro-Nikkor 55mm f/2.8

 

Não usei neste caso o verbo amar porque nenhum bem material pode estar ao mesmo nível das pessoas, especialmente daquelas que fazem parte integrante da nossa existência.
Mas há objectos determinantes para a felicidade de alguns.
Comecei a interessar-me pela fotografia por volta dos meus doze anos porque o meu pai tinha uma Yashica Twin Lens 6x6 que, por ser totalmente manual, me aguçou a curiosidade no domínio das velocidades e das aberturas, um imbróglio que fazia confusão a toda a gente. Ainda hoje faz a muitos, não é? Ao meu pai também fazia.
Mais tarde comprei uma Yashica TL-Electro, 35mm, já com objectivas intermutáveis. Trazia, como era padrão na altura, uma objectiva de 50mm, Yashinon f/1.9.
As máquinas fotográficas antigamente não registavam os dados como as computorizadas actuais. Quando chegavam as revelações era preciso aferir os resultados, essencialmente saber onde se tinha errado. Nesse sentido, com a nova reflex comecei a tomar nota das datas, velocidades, aberturas, filmes, objectivas e acessórios que utilizava. Nunca deixei de o fazer. É esse registo de milhares de linhas, uma por cada disparo, que constitui a história da minha vida.
Fui confrontado há poucos meses com a gentileza, ou será antes carinho, de um pedido no sentido de serem utilizadas fotografias do meu portefólio na decoração de uma casa de férias nova. Soube-me tão bem.
Embora não tenha uma memória privilegiada, lembro-me dos pormenores da realização da grande maioria das minhas fotografias, sejam técnicos ou circunstanciais. Curiosamente, são muitas vezes as próprias imagens o elo de ligação com os lugares ou acontecimentos, ou até outras pessoas, que não estando nas imagens lhes ficaram associadas.
Agora, quando olho para cada uma daquelas fotografias, elas já não ficam circunscritas às recordações de quando as realizei. Têm para mim o valor acrescentado de terem sido “as escolhidas”.
Amo quem teve a ideia. Amo quem fez a escolha.
Obrigado.
Vou partilhar convosco essas imagens.

 

Lisboa - Junho, 2004 - Nikon F5 - AF-S Zoom-Nikkor 17-35mm f/2.8D IF-ED - Fujichrome Tungsten 64 II

 

Lisboa - Maio, 2010 - Nikon D300 - AF-S VR Zoom-Nikkor 70-200mm f/2.8G IF-ED

 

Lago de Carucedo - Outubro, 2006 - Nikon D200 - AF-S VR Zoom-Nikkor 70-200mm f/2.8G IF-ED

 

Sanábria - Novembro, 2016 - Nikon D810 - AF-S Nikkor 80-400mm f/4.5-5.6G ED VR

 

Praia da Adraga - Janeiro, 2017 - Nikon D810 - AF-S Nikkor 70-200 f/2.8G ED VR II

 

Praia da Ursa - Agosto, 2012 - Nikon D700 - AF-S Nikkor 14-24mm f/2.8G ED - Pilha de 270 fotografias

 

Montesinho - Outubro, 2016 - Nikon D700 - AF-S Micro-Nikkor 105mm f/2.8G IF-ED

 

Serra da Estrela - Novembro, 2013 - Nikon D700 - AF-S Nikkor 24-70mm f/2.8G ED 

 

Quarenta e quatro anos depois da primeira Nikon, muitos dias soalheiros depois, chuvosos vezes a mais, alguns de neve fotogénica, ou ventosos, acima de tudo com milhares de quilómetros percorridos, aqui estamos hoje confinados para não espalhar o vírus.
Ainda não decidi como vou abordar o tema com as minhas companheiras Nikon D500 e Nikon D850, explicar-lhes que estão de quarentena e que TEMOS DE FICAR EM CASA.